terça-feira, 28 de outubro de 2008

O Analfabetismo Econômico

O Analfabetismo Econômico


Chávez falou em Zulia do "camarada Sarkozy", e o disse com certa ironia, mas sem ânimo de feri-lo. Pelo contrário, quis reconhecer sua sinceridade quando, em sua condição de Presidente rotativo da Comunidade de Países Europeus, falou em Beijing.

Ninguém proclamava o que todos os líderes europeus conhecem e não confessam: o sistema financeiro atual não serve e há que mudá-lo. O Presidente venezuelano exclamou com franqueza:

"É impossível refundar o sistema capitalista, seria como um intento de pôr a navegar o Titanic depois que está no fundo do Oceano."

Na reunião da Associação das Nações Européias e Asiáticas, em que participaram 43 países, Sarkozy fez confissões notáveis, segundo as agências de notícias:

“O mundo vai mal, enfrenta uma crise financeira sem precedentes por sua magnitude, rapidez, violência, e suas conseqüências sobre o meio ambiente põem em questão a sobrevivência da humanidade: 900 milhões de pessoas não têm os meios para alimentar-se”.

"Os que participamos desta reunião representamos dois terços da população do planeta e a metade de suas riquezas; a crise financeira começou nos Estados Unidos, mas é mundial e a resposta deve ser mundial."

"O lugar para um menino de 11 anos não é a fábrica, mas a escola."

"Nenhuma região do mundo tem lição que dar a ninguém." Uma clara alusão à política dos Estados Unidos.

Ao final recordou ante as nações da Ásia o passado colonizador da Europa nesse continente.

Se o Granma tivesse escrito essas palavras, diriam que se tratava de um clichê da imprensa oficial comunista.

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse em Beijing que não se podia "prever a entidade e duração da crise financeira internacional em curso. Trata-se, nem mais nem menos, da criação de uma nova carta constitutiva das finanças." Nesse mesmo dia foram divulgadas notícias que revelam a incerteza geral desatada.

Na reunião de Beijing, os 43 países da Europa e Ásia acordaram que o FMI deveria jogar um papel importante assistindo aos países gravemente atingidos pela crise, e apoiaram uma cúpula inter-regional em busca da estabilidade a longo prazo e o desenvolvimento da economia do mundo.

O presidente do governo espanhol, Rodríguez Sapatero, declarou que "havia uma crise de responsabilidade em que uns poucos se enriqueceram e a maioria está empobrecendo", que "os mercados não confiam nos mercados". Exortou os países a fugir do protecionismo, convencido de que a competência faria com que os mercados financeiros jogassem seu papel. Não foi oficialmente convidado à cúpula em Washington devido à atitude rancorosa de Bush, que não lhe perdoa a retirada das tropas espanholas do Iraque.

O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, apoiou sua advertência sobre o protecionismo.

O secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, reuniu-se por sua parte com eminentes economistas para tratar de evitar que os países em desenvolvimento sejam as principais vítimas da crise.

Miguel D’Decoto, ex-ministro das Relações Exteriores da Revolução Sandinista e atual presidente da Assembléia Geral da ONU, demandou que o problema da crise financeira não se discutisse no G-20 entre os países mais ricos e um grupo de nações emergentes, mas nas Nações Unidas.

Há disputas sobre o lugar e a reunião onde deve adotar um novo sistema financeiro que ponha fim ao caos e à ausência total de segurança para os povos. Existe grande temor de que os países mais ricos do mundo, reunidos com um grupo reduzido de países emergentes castigados pela crise financeira, aprovem um novo Bretton Woods[1] ignorando o resto do mundo. O presidente Bush declarou ontem que "os países que discutirão aqui no próximo mês a crise global devem também voltar a comprometer-se com os fundamentos do crescimento econômico a longo prazo: negócios livres, livre empresa e livre comércio."

Os bancos emprestavam dezenas de dólares por cada dólar depositado pelos poupadores. Multiplicavam o dinheiro. Respiravam e transpiravam por todos os poros Qualquer contração os conduzia à ruína ou à absorção por outros bancos. Havia que salvá-los, sempre à custa dos contribuintes. Fabricavam enormes fortunas. Seus privilegiados acionistas majoritários podiam pagar qualquer soma por algo.

Shi Jianxun, professor da Universidade de Xangai, declarou em um artigo que publicou na edição exterior do Jornal do Povo que "a crua realidade levou as pessoas, no meio do pânico, a dar-se conta de que os Estados Unidos utilizou a hegemonia do dólar para saquear as riquezas do mundo. Urge mudar o sistema monetário internacional apoiado na posição dominante do dólar."

Com poucas palavras explicou o papel essencial das moedas nas relações econômicas internacionais. Assim vinha ocorrendo há séculos entre a Ásia e a Europa: recordemos que o ópio foi imposto à China como moeda. Disso falei quando escrevi o artigo A vitória da China.

As autoridades deste país nem sequer queriam receber a prata em metálico com que os espanhóis pagavam inicialmente os produtos adquiridos na China, desde a sua colônia nas Filipinas, porque se desvalorizava progressivamente devido à sua abundância no chamado Novo Mundo recém conquistado pela Europa. Os governantes europeus até hoje sentem vergonha pelas coisas que impuseram à China durante séculos.

As atuais dificuldades nas relações de intercâmbio entre esses dois continentes devem ser resolvidas, segundo o critério do economista chinês, com euros, libras, ienes e yuanes. Não resta dúvida de que a regulação razoável entre essas quatro moedas ajudaria o desenvolvimento de relações comerciais justas entre a Europa, Grã-Bretanha, Japão e China.

Estariam incluídos nessa esfera o Japão e a Alemanha - dois países produtores de sofisticados equipamentos de tecnologia avançada tanto para a produção como para os serviços - e o maior motor em potência da economia do mundo, China, com ao cerca de 1,4 bilhão de habitantes e mais de 1,5 trilhão de dólares em suas reservas de divisas conversíveis, que são em sua maioria dólares e bônus do Tesouro dos Estados Unidos. Segue-lhe o Japão com quase as mesmas cifras de reservas em divisas.

Na atual conjuntura, o valor do dólar aumenta devido à posição dominante desta moeda imposta à economia mundial, justamente assinalada e rechaçada pelo professor de Xangai.

Grande número de países do Terceiro Mundo, exportadores de produtos e matérias primas com pouco valor agregado, somos importadores de produtos de consumo chineses, que revistam ter preços razoáveis, e equipamentos do Japão e Alemanha, cada vez mais caros. Mesmo que a China tenha tido cuidados para que o yuan não se supervalorizasse, como demandam sem cessar os ianques para proteger suas indústrias da concorrência chinesa, o valor do yuan se incrementa e o poder aquisitivo de nossas exportações diminui. O preço do níquel, nosso principal produto de exportação, cujo valor alcançou mais de 50 mil dólares a tonelada há pouco, nos últimos dias recuou a 8.500 dólares por tonelada, quer dizer, menos de 20 por cento do preço máximo alcançado. O do cobre caiu a menos de 50 por cento; assim sucessivamente ocorre com o ferro, alumínio, estanho, zinco e todos os minerais indispensáveis para um desenvolvimento sustentado. Os produtos de consumo, como café, cacau, açúcar e outros, a despeito de todo sentido racional e humano, em mais de 40 anos, tiveram os seus preços levemente majorados. Por isso, há pouco tempo, eu adverti que, como conseqüência de uma crise que estava às portas, sofreríamos perdas nos mercados e o poder aquisitivo de nossos produtos se reduziria fortemente. Nestas circunstâncias, os países capitalistas desenvolvidos sabem que suas fábricas e serviços serão afetados, e só a capacidade de consumo de grande parte da humanidade beirando os índices de pobreza, ou por abaixo destes, poderia mantê-los funcionando.

Esse é o grande dilema que expõe a crise financeira e o perigo de que os egoísmos sociais e nacionais prevaleçam por cima dos desejos de muitos políticos e estadistas angustiados ante o fenômeno. Não têm a menor confiança no próprio sistema de que surgiram como homens públicos.

Quando um povo deixa atrás o analfabetismo, sabe ler e escrever, e possui um mínimo indispensável de conhecimentos para viver e produzir honestamente, resta-lhe apenas vencer a pior forma de ignorância em nossa época: o analfabetismo econômico. Só assim poderíamos saber o que está acontecendo no mundo.



Fidel Castro Ruz
Octubre 26 de 2008


[1] Conferência de Bretton Woods: Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em julho de 1944, em Bretton Woods, com representantes de 44 países, para planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda Guerra Mundial. Os acordos assinados tiveram validade para o conjunto das nações capitalistas lideradas pelos Estados Unidos, resultando na criação do FMI – Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Nota do traduto

O Analfabetismo Econômico


Chávez falou em Zulia do "camarada Sarkozy", e o disse com certa ironia, mas sem ânimo de feri-lo. Pelo contrário, quis reconhecer sua sinceridade quando, em sua condição de Presidente rotativo da Comunidade de Países Europeus, falou em Beijing.

Ninguém proclamava o que todos os líderes europeus conhecem e não confessam: o sistema financeiro atual não serve e há que mudá-lo. O Presidente venezuelano exclamou com franqueza:

"É impossível refundar o sistema capitalista, seria como um intento de pôr a navegar o Titanic depois que está no fundo do Oceano."

Na reunião da Associação das Nações Européias e Asiáticas, em que participaram 43 países, Sarkozy fez confissões notáveis, segundo as agências de notícias:

“O mundo vai mal, enfrenta uma crise financeira sem precedentes por sua magnitude, rapidez, violência, e suas conseqüências sobre o meio ambiente põem em questão a sobrevivência da humanidade: 900 milhões de pessoas não têm os meios para alimentar-se”.

"Os que participamos desta reunião representamos dois terços da população do planeta e a metade de suas riquezas; a crise financeira começou nos Estados Unidos, mas é mundial e a resposta deve ser mundial."

"O lugar para um menino de 11 anos não é a fábrica, mas a escola."

"Nenhuma região do mundo tem lição que dar a ninguém." Uma clara alusão à política dos Estados Unidos.

Ao final recordou ante as nações da Ásia o passado colonizador da Europa nesse continente.

Se o Granma tivesse escrito essas palavras, diriam que se tratava de um clichê da imprensa oficial comunista.

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse em Beijing que não se podia "prever a entidade e duração da crise financeira internacional em curso. Trata-se, nem mais nem menos, da criação de uma nova carta constitutiva das finanças." Nesse mesmo dia foram divulgadas notícias que revelam a incerteza geral desatada.

Na reunião de Beijing, os 43 países da Europa e Ásia acordaram que o FMI deveria jogar um papel importante assistindo aos países gravemente atingidos pela crise, e apoiaram uma cúpula inter-regional em busca da estabilidade a longo prazo e o desenvolvimento da economia do mundo.

O presidente do governo espanhol, Rodríguez Sapatero, declarou que "havia uma crise de responsabilidade em que uns poucos se enriqueceram e a maioria está empobrecendo", que "os mercados não confiam nos mercados". Exortou os países a fugir do protecionismo, convencido de que a competência faria com que os mercados financeiros jogassem seu papel. Não foi oficialmente convidado à cúpula em Washington devido à atitude rancorosa de Bush, que não lhe perdoa a retirada das tropas espanholas do Iraque.

O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, apoiou sua advertência sobre o protecionismo.

O secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, reuniu-se por sua parte com eminentes economistas para tratar de evitar que os países em desenvolvimento sejam as principais vítimas da crise.

Miguel D’Decoto, ex-ministro das Relações Exteriores da Revolução Sandinista e atual presidente da Assembléia Geral da ONU, demandou que o problema da crise financeira não se discutisse no G-20 entre os países mais ricos e um grupo de nações emergentes, mas nas Nações Unidas.

Há disputas sobre o lugar e a reunião onde deve adotar um novo sistema financeiro que ponha fim ao caos e à ausência total de segurança para os povos. Existe grande temor de que os países mais ricos do mundo, reunidos com um grupo reduzido de países emergentes castigados pela crise financeira, aprovem um novo Bretton Woods[1] ignorando o resto do mundo. O presidente Bush declarou ontem que "os países que discutirão aqui no próximo mês a crise global devem também voltar a comprometer-se com os fundamentos do crescimento econômico a longo prazo: negócios livres, livre empresa e livre comércio."

Os bancos emprestavam dezenas de dólares por cada dólar depositado pelos poupadores. Multiplicavam o dinheiro. Respiravam e transpiravam por todos os poros Qualquer contração os conduzia à ruína ou à absorção por outros bancos. Havia que salvá-los, sempre à custa dos contribuintes. Fabricavam enormes fortunas. Seus privilegiados acionistas majoritários podiam pagar qualquer soma por algo.

Shi Jianxun, professor da Universidade de Xangai, declarou em um artigo que publicou na edição exterior do Jornal do Povo que "a crua realidade levou as pessoas, no meio do pânico, a dar-se conta de que os Estados Unidos utilizou a hegemonia do dólar para saquear as riquezas do mundo. Urge mudar o sistema monetário internacional apoiado na posição dominante do dólar."

Com poucas palavras explicou o papel essencial das moedas nas relações econômicas internacionais. Assim vinha ocorrendo há séculos entre a Ásia e a Europa: recordemos que o ópio foi imposto à China como moeda. Disso falei quando escrevi o artigo A vitória da China.

As autoridades deste país nem sequer queriam receber a prata em metálico com que os espanhóis pagavam inicialmente os produtos adquiridos na China, desde a sua colônia nas Filipinas, porque se desvalorizava progressivamente devido à sua abundância no chamado Novo Mundo recém conquistado pela Europa. Os governantes europeus até hoje sentem vergonha pelas coisas que impuseram à China durante séculos.

As atuais dificuldades nas relações de intercâmbio entre esses dois continentes devem ser resolvidas, segundo o critério do economista chinês, com euros, libras, ienes e yuanes. Não resta dúvida de que a regulação razoável entre essas quatro moedas ajudaria o desenvolvimento de relações comerciais justas entre a Europa, Grã-Bretanha, Japão e China.

Estariam incluídos nessa esfera o Japão e a Alemanha - dois países produtores de sofisticados equipamentos de tecnologia avançada tanto para a produção como para os serviços - e o maior motor em potência da economia do mundo, China, com ao cerca de 1,4 bilhão de habitantes e mais de 1,5 trilhão de dólares em suas reservas de divisas conversíveis, que são em sua maioria dólares e bônus do Tesouro dos Estados Unidos. Segue-lhe o Japão com quase as mesmas cifras de reservas em divisas.

Na atual conjuntura, o valor do dólar aumenta devido à posição dominante desta moeda imposta à economia mundial, justamente assinalada e rechaçada pelo professor de Xangai.

Grande número de países do Terceiro Mundo, exportadores de produtos e matérias primas com pouco valor agregado, somos importadores de produtos de consumo chineses, que revistam ter preços razoáveis, e equipamentos do Japão e Alemanha, cada vez mais caros. Mesmo que a China tenha tido cuidados para que o yuan não se supervalorizasse, como demandam sem cessar os ianques para proteger suas indústrias da concorrência chinesa, o valor do yuan se incrementa e o poder aquisitivo de nossas exportações diminui. O preço do níquel, nosso principal produto de exportação, cujo valor alcançou mais de 50 mil dólares a tonelada há pouco, nos últimos dias recuou a 8.500 dólares por tonelada, quer dizer, menos de 20 por cento do preço máximo alcançado. O do cobre caiu a menos de 50 por cento; assim sucessivamente ocorre com o ferro, alumínio, estanho, zinco e todos os minerais indispensáveis para um desenvolvimento sustentado. Os produtos de consumo, como café, cacau, açúcar e outros, a despeito de todo sentido racional e humano, em mais de 40 anos, tiveram os seus preços levemente majorados. Por isso, há pouco tempo, eu adverti que, como conseqüência de uma crise que estava às portas, sofreríamos perdas nos mercados e o poder aquisitivo de nossos produtos se reduziria fortemente. Nestas circunstâncias, os países capitalistas desenvolvidos sabem que suas fábricas e serviços serão afetados, e só a capacidade de consumo de grande parte da humanidade beirando os índices de pobreza, ou por abaixo destes, poderia mantê-los funcionando.

Esse é o grande dilema que expõe a crise financeira e o perigo de que os egoísmos sociais e nacionais prevaleçam por cima dos desejos de muitos políticos e estadistas angustiados ante o fenômeno. Não têm a menor confiança no próprio sistema de que surgiram como homens públicos.

Quando um povo deixa atrás o analfabetismo, sabe ler e escrever, e possui um mínimo indispensável de conhecimentos para viver e produzir honestamente, resta-lhe apenas vencer a pior forma de ignorância em nossa época: o analfabetismo econômico. Só assim poderíamos saber o que está acontecendo no mundo.



Fidel Castro Ruz
Octubre 26 de 2008


[1] Conferência de Bretton Woods: Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em julho de 1944, em Bretton Woods, com representantes de 44 países, para planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda Guerra Mundial. Os acordos assinados tiveram validade para o conjunto das nações capitalistas lideradas pelos Estados Unidos, resultando na criação do FMI – Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Nota do traduto

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